segunda-feira, 13 de maio de 2013

"como quem diz: água."


Sede: das agonias que se pode viver o elenco é vastíssimo, mas o que lhe secava a voz era sede. As intempéries que despem a alma em coisa terrena vão ao número das estrelas lastreadas céu afora. Todavia há os que transcendem, arrebatam suas almas dos dentes da agonia, ventam-na e alçam voo para beber. Não era o seu caso.


Sem molhar a palavra agarrada à garganta arranhada pelo traiçoeiro golpe da voz do outro, seguia em destempero, ponderando: o que é dito importa menos, fica sendo só a confirmação do que os olhos evitaram tocar. O leito daquele rio não acolhe, e, portanto, não deve ser tocado. Pensando bem é um rio ingrato, não evade pra fora de si, rouba a vida da semente, deixa seca a terra, infértil, intransitiva. 

Trajar ignorância fingindo sabedoria é maldade. Hipócritas Fariseus, quem sois para apontar no outro a falta que suscitaste?!  Água, onde será que encontraria? É dos elementos sem o qual não se pode existir por tempo vasto, especialmente porque a vastidão do tempo é horrivelmente exponenciada pela sede, e a recíproca gera ciclo cruel. Não cabe sede no tempo, não cabe no tempo chance de sede sem que se perca a razão.

A sede é saciável. A sede é saciável? O tempo que escorreu é perdido. Delirante percebeu a saudade tracejando aquele caminho desde antes de ele virar bifurcação. Água desespera todo o resto à ausência do seu frescor vivificante, de seu gosto adaptável, de seu cheiro que chama a terra ao verter. Atravessa e é atravessada, percorre, corrói, corrompe, fura e passa, sempre passa, deixando no encalço suas pegadas rasgadas sem pontas, pegadas parecidas com as que marcam os lençóis depois do intercurso com outra matéria semblante.

O gargarejo da água que corre determinada e serena abrindo os sentidos não se fazia ouvir. Pensava em revisitar a caixa de Pandora. Os pés do pensamento correndo a molhar-se nela, precientes de que a espera contida no último elemento trará alívio, revisitaria o início do mundo. A preciosa e escassa coragem para revisitar o momento exato do primeiro sinal, vem com o que sobrou da caixa. Espera.

Os sinais vêm antes do começo. Antes do gemido da dor do nascimento sonha-se ouvir o timbre exato da voz que nascerá. A generosidade dos sinais avisa daquilo que lhe está reservado. O advento, linha de largada para a qual se caminha, ainda e sempre muito crente, e definitivamente. Dali, se divisa tão somente a linha do horizonte, os desafios do percurso ficam escarpados. 

A densidade do tempo vai pesando conforme a obstinação com que se caminha para lançar o espírito a viver. Quanto mais, maior. E disso nada se pode dizer, posto que não haja mais nada a dizer, ao menos nada novo, nada que possa tornar ameno o desenlace. Esgotou-se tudo. E é o recurso da fé escoado no último que esse ‘tudo’ leva. Vive-se por não se poder morrer, podendo o resto ser doce ou amargo, a depender do gosto que terá a água ainda na fonte, a se decidir quando brotará.

O silêncio, quando muito alto, aumenta a pressão e se faz urgente buscar ecos na própria voz. Se ao menos soubesse marulhar, quem sabe não passaria da água ao vinho e pudesse aliviar um pouco o peso do vazio numa ébria, quase religiosa, consumição. Foi quando pensou assim: Talvez, bebendo do sangue surta mais efeito à intenção de refresco da água que não vem. 

Buscava, em delirantes reverberações de ausência, pistas para voltar à fonte, queria estar representada de si ante o poço dos desejos. Sem mais. Nem media(dores). Olhos baixos diante do ibiri de Nanã, assume a reza ousada de filha relegada: Diga dos meus dividendos, mas sussurre só pra mim, que busco por conta e risco próprios a fonte que me restabelecerá.

- Elis Barbosa

Revisão: Leandra Freitas.
Imagem: http://varaldobrasil.blogspot.com.br/2012/11/valquiria-imperiano-pinturas.html 

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