Sede: das agonias que se pode viver o elenco é vastíssimo, mas o que lhe secava a voz era sede. As intempéries que despem a alma em coisa terrena vão ao número das estrelas lastreadas céu afora. Todavia há os que transcendem, arrebatam suas almas dos dentes da agonia, ventam-na e alçam voo para beber. Não era o seu caso.
Sem molhar a palavra agarrada à
garganta arranhada pelo traiçoeiro golpe da voz do outro, seguia em destempero,
ponderando: o que é dito importa menos, fica sendo só a confirmação do que os
olhos evitaram tocar. O leito daquele rio não acolhe, e, portanto, não deve ser
tocado. Pensando bem é um rio ingrato, não evade pra fora de si, rouba a vida
da semente, deixa seca a terra, infértil, intransitiva.
Trajar ignorância fingindo
sabedoria é maldade. Hipócritas Fariseus, quem sois para apontar no outro a
falta que suscitaste?! Água, onde será
que encontraria? É dos elementos sem o qual não se pode existir por tempo vasto,
especialmente porque a vastidão do tempo é horrivelmente exponenciada pela
sede, e a recíproca gera ciclo cruel. Não cabe sede no tempo, não cabe no tempo
chance de sede sem que se perca a razão.
A sede é saciável. A sede é
saciável? O tempo que escorreu é perdido. Delirante percebeu a saudade
tracejando aquele caminho desde antes de ele virar bifurcação. Água desespera
todo o resto à ausência do seu frescor vivificante, de seu gosto adaptável, de
seu cheiro que chama a terra ao verter. Atravessa e é atravessada, percorre,
corrói, corrompe, fura e passa, sempre passa, deixando no encalço suas pegadas rasgadas
sem pontas, pegadas parecidas com as que marcam os lençóis depois do intercurso
com outra matéria semblante.
O gargarejo da água que corre determinada
e serena abrindo os sentidos não se fazia ouvir. Pensava em revisitar a caixa
de Pandora. Os pés do pensamento correndo a molhar-se nela, precientes de que a
espera contida no último elemento trará alívio, revisitaria o início do mundo. A
preciosa e escassa coragem para revisitar o momento exato do primeiro sinal,
vem com o que sobrou da caixa. Espera.
Os sinais vêm antes do começo. Antes
do gemido da dor do nascimento sonha-se ouvir o timbre exato da voz que nascerá.
A generosidade dos sinais avisa daquilo que lhe está reservado. O advento, linha
de largada para a qual se caminha, ainda e sempre muito crente, e
definitivamente. Dali, se divisa tão somente a linha do horizonte, os desafios
do percurso ficam escarpados.
A densidade do tempo vai pesando
conforme a obstinação com que se caminha para lançar o espírito a viver. Quanto
mais, maior. E disso nada se pode dizer, posto que não haja mais nada a dizer,
ao menos nada novo, nada que possa tornar ameno o desenlace. Esgotou-se tudo. E
é o recurso da fé escoado no último que esse ‘tudo’ leva. Vive-se por não se
poder morrer, podendo o resto ser doce ou amargo, a depender do gosto que terá
a água ainda na fonte, a se decidir quando brotará.
O silêncio, quando muito alto,
aumenta a pressão e se faz urgente buscar ecos na própria voz. Se ao menos
soubesse marulhar, quem sabe não passaria da água ao vinho e pudesse aliviar um
pouco o peso do vazio numa ébria, quase religiosa, consumição. Foi quando
pensou assim: Talvez, bebendo do sangue surta mais efeito à intenção de
refresco da água que não vem.
Buscava, em delirantes
reverberações de ausência, pistas para voltar à fonte, queria estar representada
de si ante o poço dos desejos. Sem mais. Nem media(dores). Olhos baixos diante do ibiri de Nanã, assume a reza ousada de filha relegada: Diga dos meus
dividendos, mas sussurre só pra mim, que busco por conta e risco próprios a
fonte que me restabelecerá.
- Elis Barbosa
Revisão: Leandra Freitas.
Imagem: http://varaldobrasil.blogspot.com.br/2012/11/valquiria-imperiano-pinturas.html
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Troca comigo, meu texto pela sua impressão dele ;O)